domingo, 14 de agosto de 2011

O movimento Tea Party

Rodrigo Constantino, O Globo

“Somente no bizarro mundo de Washington a responsabilidade fiscal pode ser definida como terrorismo.” (Michele Bachmann)

A imagem do movimento Tea Party é bastante caricatural por aqui. Pinta-se um quadro de fanáticos reacionários que querem preservar o lucro dos milionários em detrimento do leite das crianças carentes e da aposentadoria dos pobres velhinhos. Pretendo apresentar uma visão diferente.

Comecemos pelo nome: ele se inspira na “Festa do Chá” em Boston, marco da Independência Americana. Os colonos, cansados de impostos arbitrários da Coroa inglesa, revoltaram-se. E quem pode negar que a Casa Branca hoje pratica exagerada intervenção na vida dos americanos? Vamos condenar o Tea Party por lutar por maior independência em relação a Washington?

Os “progressistas” gostam de monopolizar fins nobres: somente eles querem melhores condições de vida para os mais pobres. Mas o debate deve girar em torno dos melhores meios para tais fins. Foi justamente em períodos de reduzida intervenção estatal que houve mais prosperidade geral. Taxar os ricos e usar o governo para transferir renda pode conquistar votos, mas nunca ajudou os pobres de fato. Serviu apenas para afugentar investimentos e inchar governos corruptos.

O Tea Party carrega em seu DNA um viés libertário, que desconfia do governo “altruísta”. O discurso messiânico que elegeu Obama incomoda, e com razão: foram “messias salvadores” os que mais atrocidades praticaram em nome do “bem”. As medidas de Obama mostram sua visão ideológica. É clara a sua intenção de socializar setores importantes da economia e concentrar no governo mais poder ainda. O Tea Party veio dizer “basta”.

Há oportunistas e fundamentalistas malucos no Tea Party, sem dúvida. Mas reduzir o Tea Party a uma Sarah Palin é utilizar de má-fé. Vários aderiram ao movimento de forma consciente, cansados de um governo à beira da bancarrota, que acredita que a saída para todos os males é aumentar o gasto público e os impostos.

O Tea Party trouxe para o debate uma visão alternativa de sociedade. O que está em jogo é decidir se os Estados Unidos continuam no rumo atual, aquele adotado pelos países europeus que levou a um Estado social falido; ou se buscam resgatar o “sonho americano” original, que fez com que a nação se tornasse o colosso que é hoje. Os pilares deste modelo são:meritocracia, igualdade perante as leis, governo limitado e ampla liberdade individual.

Estes pilares estão fragilizados. Em cada nova crise, a “solução” foi aumentar os estímulos fiscais e monetários, criando novas bolhas insustentáveis. A conta precisa ser paga e os tentáculos do Leviatã estatal precisam ser reduzidos. O Tea Party chegou para mostrar esta realidade. Não é possível crescer de forma sustentável por meio de mais gastos públicos e crédito sem lastro. A despeito do que pensam os keynesianos como Paul Krugman, não se brinca impunemente com as leis econômicas.

O embate sobre o aumento do teto do endividamento expôs a polaridade: de um lado, aqueles que desejam um cheque em branco para o governo gastar à vontade; do outro, os que cansaram de viver uma ilusão e rejeitam o modelo europeu de sociedade. Não resta dúvida de que houve oportunismo político de ambos os lados. Mas erra quem acusa o Tea Party de irresponsável. O ápice da falta de responsabilidade é gastar mais do que arrecada indefinidamente.

Qual a função de um teto de endividamento que vive sendo elevado? Seria como uma meta de limite de peso que sempre acaba ignorada. Em vez de o sujeito entrar em dieta rigorosa ou praticar exercícios, ele apenas joga a meta para cima. Parece natural supor que o resultado desta postura negligente será a obesidade.

O governo americano está obeso. Ele possui US$ 14,3 trilhões em dívidas, quase 100% do PIB. E não está satisfeito! O Tea Party resolveu jogar duro para reverter este quadro. Pode-se acusar o movimento de intransigente, mas é preciso reconhecer que, não fosse isso, dificilmente o curso teria se alterado, ainda que timidamente. Foi uma conquista, apesar de insuficiente para evitar o rebaixamento do “rating” pela agência de risco Standard and Poor’s.

Uma ala minoritária, mesmo dentro dos republicanos, foi capaz de colocar em pauta o debate inadiável sobre a trajetória explosiva dos gastos públicos. Sua força obrigou o presidente Obama a recuar e abandonar parte de sua agenda socializante. É um começo, uma brisa que sopra na direção certa. Mérito do Tea Party, cujas qualidades deveriam servir de exemplo para a sonolenta oposição brasileira.

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