quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Brasil, o país do futuro? (4/5)

O novo retrato da pobreza


A menos de 20km do Plano Piloto, área central de Brasília famosa pelo alto padrão de vida, está o barraco de madeira onde mora Elilson Gonçalves Pereira. Na casa de dois cômodos localizada na Vila Estrutural, o banheiroé improvisado, não há água encanada nem rede de esgoto, a eletricidade vem de gambiarras para funcionar o único eletrodoméstico do lar, uma televisão de madeira fabricada na década de 1970. Para cozinhar, o maranhense de 37 anos usa lenha. “Nesse tempo de chuva, a madeira molha. Tem hora que desisto de acender”, conta, ao tentar fazer o fogo pegar. Atualmente desempregado, o homem que já foi resgatado como escravo em uma carvoaria no Pará antes de desembarcar no Distrito Federal para tentar a vida, representa bem o Índice de Pobreza Mutidimensional (IPM), divulgado ontem pelas Nações Unidas, que mede privações múltiplas e simultâneas em serviços essenciais, retirando apenas da renda o critério para avaliar o bem-estar social da população. 

Pelo IPM, o Brasil tem 2,7% da população em pobreza multidimensional. Isso significa 5 milhões de pessoas com privações graves em pelo menos 30% dos indicadores avaliados — entre os quais destacam-se nutrição, energia para cozinhar, banheiro e tipo de piso na residência. Embora o número represente duas vezes a quantidade de moradores do Distrito Federal, especialistas apontam que o dado está subestimado. “É uma estimativa conservadora se considerarmos que a situação de brasileiros com insegurança alimentar de moderada a crítica é de 11%. O IPM faz o seu papel ao traçar uma linha de pobreza alheia à renda, mas funciona melhor para países em condições extremas, como a Índia. Lá, a questão epidemiológica, por exemplo, depende muito da qualidade da água. Para o Brasil, isso não faz tanto sentido. Nossas privações são outras. Por isso, a questão nutricional talvez seja uma medida melhor”, opina o especialista em pobreza Flávio Comim, pós-doutor em Economia pela Universidade de Cambridge e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Entre os BRICs, o Brasil perde — como em todos os outros indicadores — para a Rússia no quesito pobreza multidimensional. Enquanto aqui há, pelas medições da ONU, 7% da população vulnerável à miséria, lá 0,8% estão na mesma situação. “Todos os países comunistas colhem frutos nas áreas de educação e saúde, que são preponderantes para uma boa avaliação de desenvolvimento humano, embora muitas vezes não tenham desempenho notável na seara econômica”, pontua Marcelo Medeiros, pós-doutor em sociologia do desenvolvimento e professor da Universidade de Brasília. Atrás do Brasil no IPM, ainda dentro do grupo das nações emergentes, vêm China e África do Sul, em posição praticamente igual. 

Na lanterna, está a Índia, com 612 milhões de pessoas — ou 53,7% da população total — em condição de pobreza multidimensional. Ainda há 28,6% em pobreza grave e 16,4% incluídos como vulneráveis. Ou seja, sobram 1,3% de indianos imunes às privações medidas pelo IPM. 

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